terça-feira, 23 de junho de 2009

Espelho

Minha paixão é tanta que eu chego a desejar ser seu espelho. Aliás, não sou muito diferente de seu espelho, tenho sua imagem, mas não posso ter você. Mas ainda estou em desvantagem, a imagem que tenho de você é pública, com roupa, recatada. Ele tem sua imagem, sensual, provocante, nua até... por isso, queria ser como ele.

Se eu fosse seu espelho, saberia captar com fidelidade a sua imagem, seria como um escravo humilde que provaria minha dedicação pela lealdade com que refletiria a beleza de seu corpo. Você teria importância para mim, e eu nenhuma importância teria para você, pois ao ficar diante de mim, bela, radiante, esplendorosamente nua, você não estaria olhando para mim, nem tomaria consciência de minha presença, olharia através de mim, para sua própria imagem refletida. Eu não me importaria nem um pouco por não ser notado, minha única recompensa seria vê-la com ar satisfeito, por gostar de sua imagem refletida em mim. Eu a compreenderia, mas jamais poderia tomá-la para mim. Minha serventia duraria o tempo que estivesse diante de mim e me tornaria sem sentido e inútil tão logo se afastasse.

Desafortunado objeto seria eu, quando você se afastasse. Pois se eu fosse um porta-retrato teria sua imagem sempre comigo, mas como espelho, só posso refletir a sua imagem, não retê-la. Se eu fosse o seu homem, e não seu espelho, quando estivesse diante de você, poderia me afastar um passo, para fixar sua imagem na memória e em seguida me aproximaria para tomá-la em meus braços. Mas, espelho que sou, tenho que me satisfazer em apreciá-la quando está diante de mim e perdê-la quando vai embora.

Mas agora que aí está, nua, decidindo-se o que vestir, com a dúvida estampada no rosto, quase esqueço-me que sou apenas um objeto inanimado e ouso sugerir aquela calcinha vermelha, de renda, minúscula que ao invés de esconder desperta o interesse, ao invés de intimidar o invasor, o atrai com maior ímpeto. Finalmente se decide, e após se vestir com uma graça que encanta, sempre olhando para mim, olha o resultado e sorri satisfeita. Iludo-me que sorri para mim e também sorrio. Até um reles pedaço de vidro pode, um dia ou outro fantasiar. Como és bela! E eu, pobre espelho, vivo a agonia de não poder tê-la, mas se fosse mesmo seu espelho tampouco teria ciúmes. Mas, espelho infeliz que sou, tenho ciúmes de quem não me pertence!

Reparo então seus olhos, que olhando para baixo, enquanto ajeita o que não tem que ajeitar na calcinha que lhe cai perfeitamente não se mostram, mas as pálpebras e os cílios dão uma beleza ímpar ao conjunto de seu rosto. Então, ela levanta a cabeça e seu olhos, ligeiramente puxados, talvez pela luz que entra pela janela, olham para mim como, se por uma fração de segundo, tivesse percebido que eu estava ali a admirá-la. Seus cabelos negros, longos e sedosos, emolduram seu rosto, lindo, lindo, lindo, maravilhoso. É seguramente o palmo de superfície mais bela da face da terra. Em nenhum lugar do mundo há tanta beleza concentrada em tão pouco espaço. Chega a ser injusto com tantas outras mulheres que, ainda que belas, estão em clara desvantagem! Seu nariz é perfeito, seja visto de frente, quando me encara, seja visto de perfil, quando se vira em busca de algo que a incomode em seu corpo. Busca vã, nada nela destoa de sua beleza completa. Seus lábios, são encantadores, apetitosos, despertam desejos volupuosos mesmo em um frio objeto pedurado na parede. Quando ela toma um batom e se aproxima para passá-lo com todo cuidado pelo contorno de seus lábios, seu hálito me embaça ligeiramente e eu sinto, de leve, um pouquinho de seu calor. Ah!, quem dera que ela voltasse ao tempo de de menina, quando em brincadeira com outras de sua idade, brincavam de deixar marcas de batom no espelho. Como eu queria ficar cheio de marcas de seu batom... mas ela frustra os meus sonhos e se afasta, dando as costas para mim. Vista por trás, sua beleza é 100% sensual, erótica. Não é possível pensar nela de outra forma senão a de uma fêmea capaz de despertar desejos loucos em qualquer homem e de saciá-lo de tal forma que jamais queira outra mulher. Então ela se vira, e reparo em seus peitos perfeitos, por pouco tempo, pois ela coloca uma blusa diante de si. Afasta e coloca outra. Pela características das duas, percebo que está em dúvida se vestirá algo mais sóbrio, que desafiará por descobertas, ou se algo mais provocante, que deixará claro as intenções. De qualquer forma, é certo que ela tem um encontro.

Pela forma como sorri e seus olhos se voltam para cima e para a esquerda, concluo que está imaginando a reação dele ao vê-la com aquela roupa. Com a forma mais séria com que analisa a blusa mais comportada, percebo que a natureza do encontro é tal que não deve chamar a atenção aos sair de casa. Logo, ela toma um dos seios na mão, como quem pensa que mesmo com uma blusa menos provocante, o desafiado poderia chegar até eles, se tiver coragem. Vence a roupa menos chamativa, mas o olhar de malícia volta ao a seu rosto e seus lábios denunciam a expectativa de momentos de prazer. Então, decidida, mas lentamente, ela começa a se vestir. Se nua ela é deslumbrantemente gostosa, vestida é irresistivelmente atraente.

Então ela pega sua bolsa, dá mais uma conferida em seu visual, joga o cabelo para os lados fazendo charme, e sai. Eu, seu espelho, que não posso sequer reter sua imagem fico ali imóvel, pensando quem será o homem de sorte com quem irá se encontrar...

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